Gostou?

Share |

A morte da Branca de Neve




Blá-blá-blá, o príncipe encantado beijou a Branca de Neve e viveram felizes para sempre.

Branca de Neve ficou estarrecida quando soube da tentativa de homicídio que sofrera por parte de sua madrasta. Só de pensar que tudo aconteceu por causa de sua estonteante beleza lhe causava um aperto no estômago. Até então, nunca se dera conta de que era bela, e, apesar da pouca idade já sofrera severas conseqüências pelo simples fato de ser gostosa e não se dar conta disso.

Mas agora ela sabia que era linda e, a partir daquele momento, jurou a si mesma que ninguém mais iria lhe fazer mal por pura inveja oriunda de qualquer mulherzinha com uma beleza decadente como a da sua madrasta.

Aliás, ex-madrasta, após a tentativa de homicídio o casamento real foi anulado e a, agora ex-madrasta, foi condenada à forca e conseqüente esquartejamento com seus pedaços dados aos porcos.

Com o passar do tempo, Branca de Neve começou a perceber que todos a bajulavam e não era por causa do seu modo doce e sereno de ser, mas sim por causa da sua beleza.

Se, de um lado a sua formosura quase a matara, de outro, ser gostosa lhe trouxera inúmeras vantagens: elogios frenéticos, tinha uma boa relação com o público, todas as roupas lhe caíam bem, era o único orgulho de seu pai duas vezes viúvo.

Isso sem contar que toda essa história de perseguição pela madrasta acabou por render um bom dinheiro para o cofre real por meio do turismo ecológico pelo bosque, pela casa dos sete anões e pela mina em que trabalhavam...

Ainda sobre as repercussões econômicas no Reino, quem não ficaram nada contentes foram os produtores de maçã. Afinal, quem não tinha medo ao pensar na hipótese da bruxa má ter envenenado mais de uma maçã? Quem se arriscaria a comer uma maçã daquelas terras?

Mas Branca de Neve não se preocupava com as finanças do Reino que um dia iria lhe pertencer. Economia é coisa de homem, e o que Branca de Neve queria mesmo era aproveitar a vida e sua beleza agora de forma consciente.

Com todos a bajulando, aproveitar a vida era muito fácil. Passava os dias a cantarolar com os passarinhos e passear pelos jardins... mas nunca no sol do meio dia para evitar as terríveis manchas escuras na sua pele alva.

Logo depois do seu noivado com o seu príncipe encantado, o pai de Branca de Neve veio a falecer. Assim, aproveitaram sua festa de casamento para fazer a coroação. O dia mais feliz da sua vida. Tudo muito lindo, apesar da estranheza de usar os sete anões como pajens.

Branca de Neve agora era rainha. A Rainha e mulher mais bela daquele Reino. Além de beleza, agora tinha poder. Seu marido, a Sua Alteza, o Rei só faltava se jogar aos seus pés. "Sorte dele", ela pensava. Afinal, quantos homens têm o privilégio de serem reis e ter como esposa a mulher mais bela do Reino?

Com o casamento, a Rainha Branca de Neve descobriu as delícias do sexo... Não com o rei obviamente. Seria injustiça uma beleza rara dessas pertencer a um homem só. Digamos, simplesmente, que a freqüência de suas visitas à casa dos sete anões e a de outros jovens mancebos e moçoilas foi aumentando com o passar dos anos.

Mas a Rainha Branca de Neve não sentia culpa pelo fato de trair o Rei. Primeiro, porque o encanto do outrora príncipe já não servia para muita coisa pelo simples fato de nunca mais precisar salvá-la da inveja de alguma bruxa má. Segundo, sexo fazia bem para a sua pele e ser a Rainha mais bela de todos os tempos tinha lá o seu preço.

Um dia, Branca de Neve, em mais um de seus dias de ócio necessário para não cansar muito a sua beleza, resolveu passear pelo seu Castelo. Estava chovendo e não cogitava a hipótese de estragar a sua escova no meio da rua para cantar com uns passarinhos idiotas só para polir a sua imagem de bela e doce perante seus súditos.

Percebeu a presença de um cômodo que jamais vira antes. Tentou abrir com a sua chave mestra, que abria todas as portas de todos os cômodos do castelo do reino, mas não conseguiu.

Ficou mais curiosa ainda. O que tinha naquele quarto que ela não poderia ter acesso? Pensou em perguntar ao Rei, mas duvidou que ele respondesse satisfatoriamente já que, muito provavelmente, fora ele, ou a mando de seu pai, que ordenara construir uma fechadura especial.

Mandou chamar o chaveiro do reino o mais depressa possível. Algum tempo depois apareceu um senhor manco, careca e estrábico com uma maleta de ferro que fazia um batuque ritmado com o andar manqueta do pobre homem.

O chaveiro, ao ouvir a ordem de construir uma chave para abrir a fechadura, disse que só faria se o rei autorizasse. Queria evitar uma possível acusação de traição.

A Rainha Branca de Neve, incrédula, ouviu pacientemente o velho homem e resolveu recompensá-lo à sua moda se ele se arriscasse.

Ela chegou perto do pobre homem, segurou a sua mão e colocou-a por dentro do decote do seu vestido...

Duas horas depois, a Rainha Branca de Neve, de posse da chave para abrir a misteriosa porta, foi para seus aposentos. "Melhor verificar essa história de madrugada", pensou.

Já eram três horas da manhã quando a Rainha Branca de Neve resolveu ir ao quarto misterioso. Nem conseguiu dormir. Como se pode dormir ao ter que abrir mão de sua máscara hidratante verde atuação noturna para rosto? Só essa preocupação e a falta da máscara naquela noite certamente a deixara uns 15 segundos mais envelhecida. "Tenho que recuperar esse tempo depois", pensou se dirigindo ao cômodo.

Logo chegou em frente à porta e a abriu. Estranho, não havia nada demais lá além de poeira e um lençol encobrindo algo retangular fino e comprido.... talvez um quadro.

A Rainha Branca de Neve quase se arrependeu de envelhecer os 15 segundos quando descobriu o móvel e, quando a poeira abaixou, percebeu o que realmente era: um espelho.

Vaidosa, deu-se a rir se encarando no espelho. Virou às costas para ele e disse em voz alta: "Não preciso de mais nenhum espelho estúpido, afinal há alguém nesse reino mais bela que eu?"

E uma luz surgiu, inexplicavelmente, de dentro do espelho e uma voz respondeu: "Não, tu és a mais bela do reino".

A Rainha Branca de Neve virou-se para o espelho e o reconheceu... Era o espelho da sua madrasta!

Logo, a Rainha e o espelho viraram amigos íntimos. Branca de Neve estava cansada de tantas pessoas a bajulando só porque era rainha e bela... E no meio de tantos elogios falsos encontrou um amigo acima de tudo sincero. Sabia que o espelho jamais iria lhe mentir. Lembrara que pelo menos não mentira a sua madrasta...

Durante anos, não se passara um dia sem que a Rainha Branca de Neve fosse ter com o seu espelho mágico. Ele lhe dera conselhos, contara piadas, dera dicas de beleza, ouvia suas angústias, etc e etc.

A única época em que a Rainha Branca de Neve não visitou seu espelho amigo foi durante a sua gravidez. Engordara 27 quilos e só não se encheu de estrias porque utilizou o óleo de amêndoas Paixão por todo o corpo diariamente. Sabia que o espelho jamais mentia e tinha medo de ouvir a verdade: de que não estava tão bela quanto antes...

Não foi fácil esse período. Ver a sua barriga crescendo assustadoramente, pés inchando, enjôos e desejos esquisitos foram quase fatais para a sua beleza. Isso sem contar o parto, sentir sua vagina alargando com dor, muita dor... Dor que se transformou em emoção ao saber que dera à luz a uma menina saudável.

A Rainha Branca de Neve amava sua filha que batizara de Luiza de Sol já que nascera loira e com o aspecto de pele bronzeada do Rei.

Apesar do amor que sentia por Luiza, não se podia dizer que Branca de Neve fosse uma mãe presente. Não estava preparada para cuidar de outra coisa que não fosse a sua beleza. Principalmente após o parto que culminou em uma certa embarangada na rainha.

Embarangada passageira. Dentro de um ano, se não fosse pelo quase imperceptível alargamento dos quadris, ninguém diria que Branca de Neve tivesse um dia estado grávida.

Com sua auto-estima em dia, a Rainha logo foi ao encontro de seu único amigo verdadeiro, o espelho mágico, contar-lhe as novidades e se certificar de que ainda era a mais bela mulher do Reino.

E ainda seria assim por muitos anos, até que em um belo dia, Branca de Neve, como de costume, perguntou ao espelho se ela ainda era a mais bela mulher do Reino, e, o espelho que jamais mentira, respondeu: "Não, há uma mulher ainda mais bela que Vossa Alteza, a menina Luiza de Sol".

Branca de Neve ficou estarrecida. Em um segundo viu toda sua existência se desmoronar...

Saiu correndo para seus aposentos e se olhou num espelho normal. Percebera que, por mais que tivesse cuidados com a sua beleza, já não era mais a mesma moçoila de outrora.

Vira marcas de expressão, quadril um tanto mais largo, dois fios de cabelo branco, os seios um tanto caídos... Continuava bela... mas não o suficiente para ser a mais bela.

Todos os tratamentos retardaram o seu envelhecimento, mas não havia como bloqueá-lo definitivamente. Deu-se conta de todo o sacrifício que fizera durante décadas para nada. Agora, já estava envelhecendo e não tinha mais jeito. Imaginou-se velha, sem fazer nada. Não sabia ler, nem escrever, nem bordar... somente sabia (se é que ainda sabia) fazer tortas de maçã... Passando a sua velhice fazendo tortas de maçã. Não era o que queria para a sua vida...

Conformada por não poder retardar o envelhecimento, pensou que podia, pelo menos, continuar sendo a mais bela do Reino por mais algum tempo.

Mas, para isso, teria que se livrar de Luiza do Sol. Foi nessa hora que Branca de Neve se lembrou de sua madrasta, e naquele momento entendeu o que ela sentira... A frustração de dedicar-se a algo que não pode te acompanhar a vida inteira. Entendeu-a e a perdoou e se sentiu suja por se equiparar àquela mulher a que todos odiavam.

Branca de Neve seria capaz de matar qualquer mulher que tentasse tirar seu título de "a mulher mais bela do reino". Todas, menos sua filha. Nunca fora uma mãe exemplar, mas fora mãe o suficiente para aprender a amar àquela menina.

Sabia que não conseguiria mais suportar aquela situação, e, transtornada, foi até a cozinha do castelo e comeu e bebeu tudo o que lá tinha de bom e gorduroso.

Tinha se esquecido do gosto do frango assado, do presunto, dos doces, do vinho, ...

Com a barriga tão cheia que aparentava explodir a qualquer momento, se dirigiu aos seus aposentos. Tomou um belo banho, perfumou-se, vestiu o seu mais belo vestido, colocou as jóias mais caras, maquilou-se, penteou os cabelos e tomou todo o seu estoque de anti-depressivos e moderadores de apetite.

Até pensou em se enforcar, ou cortar os pulsos... mas não queria danificar seu corpo.

Morreria bela. Era o mínimo que poderia fazer. Iria morrer bela e ser lembrada como a mais bela e alva Rainha dos últimos tempos, e desejou que sua filha conseguisse lidar melhor e mais sabiamente com a beleza do que ela própria. Já um tanto tonta, deitou-se em sua cama, ajeitou o cabelo de forma quase natural no travesseiro.

Virou a cabeça para o lado e se admirou, pela última vez, no enorme espelho que possuía na parede...

A notícia da morte da Rainha Branca de Neve abalou todos os seus súditos. Ninguém conseguia entender como uma mulher tão bela, rainha, esposa de um homem tão apaixonado e mãe de uma princesa tão linda quanto ela própria, poderia ter se matado de forma tão estúpida e irracional...

1 Response to "A morte da Branca de Neve"

  1. Anônimo says:

    que dó,que dó...

Postar um comentário

Powered by Blogger