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O tempo não pára


Difícil ver alguém que tu amou alí, sem vida, sereno, gélido em um caixão. Quando me ligaram avisando da sua morte, nem me importei na hora, tanto que fui para a academia como sempre faço quase todos os dias.

Não que eu seja de pedra, não que eu não tenha emoções. Mas demorou pra entender o que realmente estava acontecendo.

Durante o aquecimento, me dei conta de que um homem que já tinha amado não estava mais nesse mundo. O coração apertou e pedi para me retirar. Arrumei minhas coisas e desci as escadas correndo. Parei no primeiro andar, sentei alí mesmo e me pus a chorar.

Como assim, Deus? Por mais que eu não o namorasse mais, por mais que ele tivesse me machucado muito, por mais que eu nem quisesse olhar na sua cara, por mais que tudo nessa vida.... não desejei, nem por um momento, a sua morte.

Lamentei muito o tempo. Lamentei o fato de nunca ter conversado com ele após o término do namoro, para colocar os pingos nos “is” e, finalmente, poder conviver pacificamente.

Mas ele tinha me machucado muito e, tudo que me restou foi juntar os caquinhos e retirar da minha vida toda e qualquer lembrança dele para poder segui em frente.

Essa era a única forma de resguardar a minha dignidade, pois já tinha pirado, me feito de louca, me descontrolado, surtado nessa relação.

Quando tive a confirmação da sua morte, lamentei pelo tempo não ter nos dado a oportunidade de ajeitar as coisas. Lamento, mas não me arrependo, pois “às vezes faço que quero, às vezes faço o que tenho que fazer”. Me afastar, naquele momento, era o que tinha que fazer. Sanidade é preciso!

E se estivéssemos juntos ainda?

De repente, senti saudade dos filhos e da nossa família que nunca existiu.

De repente, me dei conta de que ele tinha sido meu último namorado. Que ele tinha sido a última pessoa pela qual tinha sentido algo especial.

De repente, percebi que para morrer basta estar vivo.

Por fim, acabei por agradecer à vida, pois se ele não tivesse terminado comigo daquela forma estúpida, hoje, eu seria viúva e não iria suportar perde-lo dessa forma tão cruel. Ele saiu espontaneamente da minha vida antes que fosse arrancado dela à força. Melhor assim no fim.

Ao chegar no velório e foi bizarro vê-lo daquela forma... tão sem vida, sem cor, não parecia ele. Talvez tivessem colocado um boneco. Talvez fosse uma pegadinha. Quem sabe ele não estaria vivo ainda, escondido atrás da cortina só esperando para me dar um susto?

Repousei minha mão no pulso dele e encontrei, de imediato, um ossinho saltado que eu adorava acariciar e beijar. Mania boba essa de beijar o pulso. Acreditem: por debaixo dessa badgirl maluca tem uma menina bobinha e romântica. Um paradoxo.

Mas, quando a minha mão encontrou aquele ossinho embaixo da pele fria, tive a irrefutável prova de que aquele corpo já tinha pertencido a um homem que amei. Pena.

3 Response to "O tempo não pára"

  1. Nanda says:

    Menina como vc tem intimidade com as palavras hein.. e me fez chorar, de novo... deve ser terrível a sensação ...talvez ele ou o que ele foi, nunca saia de voce... mas acaba ficando a parte boa!
    Que bom ter achado seu cantinho, beijos gdes!

    é estranho, que sempre esperamos que a pessoa saia de trás da cortina gritando "Te peguei".
    é engraçado que já sabemos que iremos encontrar uma pessoa diferente deitada no caixão, mas ainda assim, nos supreendemos.
    Vai saber que tipo de louco mora na gente ne?

    beijos amor!

    Filipe says:

    Além do teu brilhante texto e este "jogo de palavras", admiro os comentários das tuas duas leitoras ali: brilhantes =*

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